Pedaços da imagem marginal - o tempo criativo em fragmentos de desenhos e fotografias. De um espaço fantasioso, e da física imaginada. Rascunhos, laterais à arte num limbo de emoção in - quieta e sem poesia.
Pintar a uma escala assim é algo de deslumbrante, físico, visceral. Transcende o imaginado e faz-se real. O corpo extravasa-se no gesto generoso, passos de dança e labor a fugir do rasto da intenção. Deixar correr o sangue feito matéria colorida, lutar com a poeira que o vento deposita enquanto se confrontam água e calor. Tudo aglutina-se num resultado do processo perscrutor do espaço, e contra o tempo.
Á sério, ele próprio não sabe o que 'pensou' naquela altura. Não era altura de pensar, apenas de fazer e deixar fluir. Todo o ambiente era propício a isso. Vivia, com um colega e grande amigo ainda hoje, no meio da serra, com água da cisterna e Petromax, dois bancos de madeira e uma mesa de fórmica (das camas não se lembra como eram), e trabalhava - entre outras vivências. No fundo era tudo a mesma coisa, tudo enlaçado, como se sonha e pretende. Havia teorias, claro, e conversas daquelas fundamentais que marcam a vida depois. Não havia era planos ou estratégias. Era a construção desprendida, um pouco ingénua, sim. Era a savana.
Não durou muito... Esse meu amigo lá teve essas manias de plantar improvisações destas nas práias, à volta tudo cheio de tendas, tipo casinhas com alpendre que até se viu negro para tirar a foto. Foi olhado e aceite. Acreditava que a parabólica tivesse um significado. Nem imaginava que estes pratos iriam fazer parte de qualquer paisagem uma década depois. E com a democratização foi-se o significado. Tornou-se corriqueiro. Qual sentido Zen, qual espiritualidade transcendente? Ainda hoje conserva uns cacos de azulejos, fragmentos do sentido, que estavam - na altura - colocados por baixo dos seixos. Primeiras experiências... acho que, no seu íntimo, também ainda conserva uma certa nostalgia, mas não fala disso.
Reencontro-me na reaproximação dos braços do tempo. Talvez sejam espirais de correntes num mar que parece liso. O que me arrasta, seja um diferencial térmico. Ando à deriva ou nado contra a maré, as vezes apanho uma onda, ou nado em sentido transversal e reencontro um ramal meu passado, ou um alheio simultâneo, ou um futuro que já era adiado. O tempo assim não é uma seta linear, seria visto como dimensão explanada, igual às outras pela qual me movo, flutuante também - dentro da estrutura cristalina - na percepção subjectiva. Gosto de semear no tempo alheio, com a confiança de reverberar onde não ouço,
O tempo é uma criatura... Aguarda sob o verde limo, à sombra de folhagem, de ramos lançado sobre o rio da preguiça.
O tempo respira o odor da presa, gazela fina, porco da savana, por narinas como pau - raiz de podre... jaz imóvel tal, que gretas no seu couro já empastam do lodo em suspensão do rio da preguiça.
O tempo olha com âgatas polidas e rachadas pelo meio, lambidas pelo horizonte ............do espelho que reflecte o esplendor... - espreita sem mexer, - aguarda com paciência milenar no rio da preguiça.
O tempo é um crocodilo que desperta na hora do incauto, explode projectado pelo espelho, voraz... apodera-se do desatento com mandíbulas e sem perdão.
Não cortam, não trincam, não escalpelizam carne... torcem-na até soltar...
Ai, não sei bem como é isso. Queremos sempre tocar no outro, e acabamos por descobrir que não conseguimos tocar em nós, que afinal era isso que queríamos. Deve ser das luvas de borracha assépticas para não nos constiparmos, ou coisa parecida.
Depois, contorna-se uma esquina, graciosamente, com elegância e saber, saber antigo, quase visceral, quase apenas sentindo que se faz bem, sem nomear os critérios racionais. Por intuição. Por experiência. Por vivência subconsciente. De repente pausado, e a olhar de modo diferente, as cores mudam e a luz se suaviza na ternura da sombra violeta-ultramarina. Descanso sem razões de poder. No recuar das arestas está o segredo do sublime.