terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Unidos de Facto



















As motivações, as duas estéticas, o apelo inscrito em cada metade, os gostos, os meios... tudo isso é indiscutível. Fazem parte do meio urbano. Passamos, vimos cada coisa por sí e desligado do contexto.Uma montra quer ser só consistente, e um grafiti não quer outra coisa senão reclamar um espaço. Não paga renda porque não pode, e se pudesse já não seria consistente.
Mas na junção revela-se um dizer concreto. Revela-se a divisão da sociedade, marcante, actual, crassa nos contrastes, dolorosa até ao osso.
Os dois manifestam-se, contradizem-se, argumentam, declamam, chocam-se um ao outro e a quem passa, porque sim: São mesmo duas personagens que se encontram no mesmo larginho, e continuam a coabitar (ví ontem que já não é o caso - a montra decidiu mudar de cor e adereços). Dão corpo e visibilidade a duas atitudes diversas. É um encontro fértil, fervilhante e saudável.
Falam do cimo das colunas, ostentam cada um o seu gesto, representam o seu querer - 'Bruta Flor', como Caetano Veloso lhe chamava noutro contexto, ou nem tanto - e coabitam no desentender.
Um, recolha-se na penumbra vítrea e protege-se por adornos, o outro nú e crú, a vomitar-se sobre a pedra texturada, no focinho do curioso a querer discernir o preço da chemisette. Um, apelativo e em suposta beleza serena e estabelecida, o outro impulsivo e fugazmente gestual, qual Mussolini ou Hitler vociferantes.
Curioso, ambos se produzirem em preto sobre branco, e ambos por razões de estética. Ou será branco sobre preto?


(Publicado em Janeiro 2009, Guia de eventos do Município de Setúbal - com ligeiras alterações aqui)

1 comentário:

intruso disse...

diálogos do 'fora' e do dentro, do branco-negro-cizento, do que fica gravado e do que muda e passa...


a cidade pode ser uma ampliada instalação viva, sub-consciente.


(tenho um encanto por montras)


abraço