segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Rituais
Não, não pertenço a nenhuma 'tribe', o 'trance' ainda tem outras conotações para mim, nem nunca fui muito aderente a não ser a título individual. Observo com alguma consternação a proliferação de técnicas e caminhos para o encontro com o 'eu', que proclamem de tirar de cada via tradicional apenas os aspectos positivos, não limitativos, adequados ao estilo de vida contemporâneo. Promovem o caminho adocicado, enjoativo, anti-sacrificante, e 'light' para o encontro da 'essência' em nós.
Há uns tempos fui visitante de uma feira da vida alternativa... Creio que as únicas pessoas descontraídas que observei, foram duas meninas lindíssimas logo à entrada a distribuir mini-embalagens gratuitas de uns cereais-fibras-adelgaçantes quaisquer que elas certamente não necessitavam ( nem perdiam nada porque não necessitavam de vender nada), e alguns poucos feirantes que se indulgavam mutuamente mediante Shiatsus e leituras de auras. De resto, a ânsia da venda da banha pairava no recinto como uma neblina espessa como chumbo. Fiquei triste, porque o caminho, sei, não é esse. Não vale pena brincar com bolas perfumadas, segurar cristais, adorar símbolos. Podemos tê-los todos só por nós, num ritual íntimo e alicerçado numa nossa história íntima e crescida, mas não há ninguém que me convença de símbolos alheios.
Eu até sou um gajo algo metafísico, acredito que a metafísica seja o motor da evolução humana. A inspiração que alterou o percurso do pensar foi sempre compreendida como divina e inexplicável. O acto da criação , no momento do impulso, foi sempre testemunhado como sublime e de indução alheia. Ser-se veículo matérico de uma ideia inspiradora é, é, é uma experiência de humilde aceitação de vontade alheia. A ideia não é propriedade nossa. Soa mal? Só para quem nunca experimentou. Ter o privilégio de ser mão executante do 'Algurém' é recompensador em sí.
Tanto mais me choca a desbaratação da experiência genuina. Essa, sempre, sempre, exige sacrifício. Reflexão, aprendizagem, ajustamentos, estudos, abdicações, dedicação. Posso não estar aí por opção. Desprezo tudo que seja 'light'. Prefiro não ir. Nem ingiro 'light'. Sabe a artificial, a negócio, a bolas perfumadas e cânticos de balela. Essas, de baleia, já são outra coisa. Não misturem coisas que já existem há séculos e milénios.
E já chega de sermões. Fico na minha, a planar por aí e observar sem querer.
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2 comentários:
concordo. a desbaratação da experiência genuína é triste, mesmo...
beijo*
"Promovem o caminho adocicado, enjoativo, anti-sacrificante, e 'light' para o encontro da 'essência' em nós."
bem observado.
adjectivo com um rasgado sorriso
iv*
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